A Saúde, definida pela OMS (1948) como “um estado de completo bem-estar físico, psíquico e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”, pode ser entendida como uma interação de acontecimentos sociais, psicológicos e biológicos.
A evidência incontestável da necessidade de um período de sono é a sua universalidade até ao momento; não existe evidência clara de alguma espécie animal na qual o fenómeno do sono não se verifique.
O sono é um processo biológico natural do organismo e essencial à reparação e manutenção do equilíbrio bio-psico-social do ser humano.
O sono é em primeiro lugar um comportamento. No sono do ser humano são identificadas duas fases principais que se alternam: o sono mais lento ou sono não REM, e o sono com atividade cerebral mais rápida, ou sono REM (do inglês, movimentos rápidos dos olhos).
A sua distribuição durante a noite pode ser alterada por vários fatores, como idade, ritmo circadiano, temperatura ambiente, ingestão de drogas ou por determinadas doenças.
Sabe-se atualmente, que o sono desempenha um papel fundamental na recuperação da energia para o dia seguinte, no equilíbrio metabólico e no desenvolvimento físico e mental.
Quando nos referimos a ritmos circadianos, referimo-nos a ritmos fisiológicos e comportamentais que se iniciam e terminam num período de 24 horas - o tempo do movimento da terra em volta do Sol. O ciclo de sono – vigília natural do ser humano é regulado pela sucessão das diversas etapas do dia, através da informação das diferentes intensidades luminosas, refeições e comportamentos sociais, pondo em relevo o facto de que a informação externa é indispensável à sincronia do ciclo de sono. Mas o nosso relógio interno mesmo na ausência de estímulos externos, continua a produzir um ritmo mais ou menos exato de alternância entre as fases de sono e da vigília.
Nos mamíferos existe mais do que um relógio, mas seguramente que o relógio principal, a estrutura responsável pela regulação dos processos circadianos subjacentes entre outros, ao ciclo sono – vigília, é o núcleo supraquiasmático (NSQ) localizado no hipotálamo e que recebe informações diretamente dos olhos. Assim, o cérebro é capaz de saber se há luz ou escuridão e, portanto, se é dia ou noite e dessa forma, a relação entre o principal fator de sincronização entre os ritmos circadianos e os padrões de sono e vigília é configurada. Nenhuma estrutura cerebral por si só, isoladamente, consegue coordenar toda a dinâmica cerebral.
A entrada no estado de sono é o resultado da ação conjunta e sincronizada dos processos circadianos e homeostáticos.
Não é rara a ocasião em que, na tentativa de respondermos e nos adaptarmos às exigências de um mundo em constante mudança, optamos pelo sacrifício do nosso tempo de sono sem que estejamos verdadeiramente alertados para as contrapartidas sociais, humanas e económicas, de tal arbítrio. Estilos de vida exigentes, stress, postos de trabalho com longos expedientes, regime de horários rotativos ou por turnos, efeito de Jet Lag, exigências familiares e sociais e o acesso difundido aos meios de comunicação, constituem atualmente, as principais causas ambientais e sociais de privação do sono.
Assim o sono tem um papel crítico na promoção da saúde. Pesquisas realizadas na última década documentaram que o distúrbio do sono tem uma influência poderosa no risco de doenças infecciosas, na ocorrência e progressão de várias doenças médicas importantes, incluindo doenças cardiovasculares e depressão.
É reconhecida a influência do sono na produção de várias hormonas (cortisol, insulina, grelina, leptina, hormona de crescimento, melatonina, testosterona), sendo que um bom sono se pode repercutir na diminuição do risco cardiovascular, no controlo da diabetes, na prevenção do aumento de peso, no desempenho físico e no crescimento, na redução do stress, no rejuvenescimento da pele, na melhoria da vida sexual, na melhoria da função do sistema imunológico, no aumento do limiar para a dor.
Dormir menos de 6 horas por noite pode contribuir para diminuição da capacidade de concentração e desempenho cognitivo. Pode igualmente potenciar a dor.
Nunca é demais lembrar que o horário mais comum para sofrer um ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral é pelas 6 e meia da manhã, e que o pico da fadiga e da sonolência surge entre as 2 e as 6 horas da madrugada e à tarde entre as 14 e as 16 horas, quando o ritmo biológico propicia a sonolência. Por esse motivo, são horas mais propensas aos acidentes de viação pelo que é importante que os condutores conheçam estas variações horárias da sonolência para que possam tomar as devidas precauções. Saber se a pessoa é mais matutina (cotovia) ou vespertina (mocho) poderá contribuir para uma melhor adaptação familiar, social e profissional.
Alcinda David, Neurologista
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Artigo do livro "Bons Sonhos", uma iniciativa da Associação Portuguesa de Sono, em parceria com a Philips, que reúne 11 artigos escritos por autores da Medicina do Sono portuguesa.